O Departamento
Projetos de pesquisa
Profª Alyne Costa
A Terra e nós: educação, pesquisa e cidadania no Antropoceno
Estamos em meio a uma crise ecológica sem precedentes: o aquecimento global, os eventos climáticos extremos, as extinções e a perspectiva de novas pandemias representam sérias ameaças aos atuais modos de vida do planeta. Diante de tantos desafios, a comunidade científica e acadêmica tem sido chamada a construir possibilidades de enfrentamento da crise. Na Filosofia e nas Ciências Humanas, inúmeras investigações têm se dado em torno do “Antropoceno”, termo dado à nova época geológica marcada pela crise ecológica e desencadeada pelo impacto da civilização industrial nas dinâmicas da Terra. Tais investigações buscam repensar categorias conceituais como “homem”, “natureza” e “mundo” à luz das mutações planetárias e das reivindicações sociais por justiça ecológica. Essa proposta visa a incrementar a contribuição da filosofia brasileira para a discussão internacional sobre o Antropoceno, ampliar o debate sobre a crise ecológica e colaborar para a construção de respostas justas e plurais ao problema, por meio de atividades transdisciplinares realizadas com grupos que vêm desenvolvendo experiências inovadoras de pesquisa e com a sociedade em geral. Os objetivos desse projeto são: 1) criação de Rede de Pesquisa interdisciplinar e interinstitucional sobre o Antropoceno, promovendo atividades de engajamento social, reunindo organizações de ensino e pesquisa com perfis distintos e levando a discussão para além do círculo universitário; 2) fortalecimento e ampliação de iniciativas já existentes nas instituições participantes; 3) realização de Seminários abertos à comunidade, atendendo a metas do Anthropocene Curriculum – iniciativa da Haus der Kulturen der Welt e do Max Planck Institute for the History of Science, parceiros da APPH, uma das instituições líder deste projeto; 4) realização de um Evento nacional e outro internacional em diálogo com o Anthropocene Curriculum; 5) produção de publicação com os resultados das pesquisas e experiências realizadas..
Situação: Em andamento; Natureza: Pesquisa.
Alunos envolvidos: Graduação: (1) / Mestrado acadêmico: (4) / Doutorado: (12)
Integrantes: Alyne de Castro Costa – Coordenador / Déborah Danowski – Integrante / Felipe Sussekind – Integrante / Fernando Silva e Silva – Integrante / André Corrêa da Silva de Araujo – Integrante / Moyses Pinto Neto – Integrante / rodrigo guimaraes nunes – Integrante / Hilan Bensusan – Integrante / Jean Segata – Integrante / Aline Evers – Integrante / Anelise Angeli De Carli – Integrante / Luísa Menuci Muccillo – Integrante / Léo Karam Tietboehl – Integrante / Rayane Lacerda Vieira da Silva – Integrante / Valéria Soares de Assis – Integrante / Vítor Jochims Schneider – Integrante / Caroline Nogueira da Silveira – Integrante.
Financiador(es): Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Auxílio financeiro.
Profa. Clara Castro
“Tudo isso se sente fortemente”: A ideia de sensação intensa no Salão de 1767 de Diderot (com apoio do Programa de Incentivo à Produtividade em Ensino e Pesquisa da PUC-Rio, início em 2021).
Na segunda metade do século XVIII, a abordagem transcendental da metafísica é deixada de lado por autores materialistas, que reformulam as investigações sobre a alma e o raciocínio humano com base nas experiências do corpo. Autores de grandes sistemas racionalistas, como Descartes e Leibniz, são em parte criticados, em parte retomados, mas adaptados ao contexto empirista. Sem o apoio de uma alma imaterial, a sensação ganha o protagonismo na explicação dos fenômenos humanos. Da gênese das ideias à apreciação da arte sublime, tudo dependerá, em primeira instância, da faculdade sensitiva. Daí a necessidade contínua de maximizá-la, seja para melhor apreender a experiência do momento, seja para melhor desenvolver raciocínios posteriormente. Dentro dessa problemática maior, pretendo focar minha pesquisa na ideia de sensação intensa, a partir do pensamento maduro de Denis Diderot. Meu corpus tem como obra principal o Salão de 1767, sobretudo as descrições das pinturas de Joseph Vernet e de Hubert Robert, que serão lidas à luz do Sonho de d’Alembert, dos Princípios filosóficos sobre a matéria e o movimento e dos Elementos de fisiologia. A proposta é analisar as passagens de Vernet e Robert por meio de um estudo que se bifurca em duas áreas de pesquisa interdependentes: estética e filosofia da natureza. A estética que se desenvolve no século XVIII se interessa pela sensação de dor atenuada pela contemplação da arte: por meio de uma sorte de aflição, sente-se a arte mais fortemente. A associação da dor com a intensidade do movimento da comoção tem uma longa tradição filosófica, que Diderot reformula através da filosofia da natureza. Uma reflexão acerca das forças mecânicas, químicas, vitais e neurológicas desemboca na relação da sensação intensa com o movimento violento. Minha hipótese é que a sensação intensa, exposta na contemplação da arte pictural do Salão de 1767, configura o momento final de uma teoria da heterogeneidade do movimento, elaborada para explicar a heterogeneidade dos fenômenos naturais.
Modelos e analogias no século XVIII: economia política, fisiologia e gramática geral (início em 2023).
Coordenação: Pedro Paulo Pimenta (USP)
Colaboradores: Clara Castro (PUC-Rio), Isabel Fragelli (USP) e Pedro Galé (USP).
Trata-se de investigar, a partir da leitura e análise de textos clássicos, bem como da consideração da bibliografia crítica, a dissolução da metafísica clássica, ocorrida com a inauguração de novos domínios da experiência sensível dotados de uma positividade própria, independente de todo pressuposto ontológico. É um processo de reforma imanente do saber filosófico, que se desenvolve em solo europeu a partir de meados do século XVIII e chega até a época da Revolução Francesa. A reação a esse movimento, a partir da época da Restauração, levou à sua minimização nos currículos e histórias da filosofia. Pretende-se realizar uma revisão canônica que restitua à filosofia da Ilustração, nesta vertente, que nos parece a mais digna do epíteto de “radical”, o lugar que lhe cabe na reflexão contemporânea ‒ para a qual tem muito a contribuir, que seja para debelar preconceitos, dogmas e lugares-comuns do debate filosófico atual. O projeto é uma orientação geral, um programa de pesquisa, que cada participante desenvolve de maneira própria e com inteira autonomia em relação às demais. Alunas e alunos são chamados a participar, respeitando-se, entretanto, os limites de suas respectivas pesquisas. Autores privilegiados: Hume, Smith; Condillac, Diderot; Cabanis, Destutt de Tracy; Kant, Schelling.
Profª Déborah Danowski
Mundos sob os fins do mundo (apoiado pelo CNPq, em andamento)
Todo pensamento ou imaginação de um fim não absoluto do mundo requer, além do pensamento mítico inverso de um começo (empírico ou transcendental) desse mundo que acaba, a busca, por parte do sujeito ou povo desse mesmo mundo, das condições de uma saída e uma separação. Essa saída e separação se dão sempre como um devir-outro-menor-imperceptível, que o torne capaz de incessantemente recomeçar como que nos subterrâneos desses fins de mundo, nos interstícios do mundo desertado, para criar um outro, sempre outro, sem fim, ou até que tudo termine. O objetivo deste projeto é procurar pensar o que pode significar esse fim, esse devir e esse recomeço (conceito que deve ser fortemente diferenciado do de “salvação”) pela referência não apenas a trabalhos filosóficos, antropológicos, historiográficos e científicos, mas também a algumas obras de ficção.
Negacionismo (desdobramento do projeto acima, parcialmente desenvolvido em estágio de pós-doutorado; em andamento)
O objetivo deste projeto é investigar a importância que o termo “negacionismo” assume atualmente para a compreensão da paralisia política diante do aquecimento global de origem antrópica, i.e. das mudanças climáticas decorrentes da queima em larga escala de combustíveis fósseis, bem como de diversas outras práticas centrais à civilização capitalista industrial globalizada. Minha hipótese é que a compreensão dessa paralisia e de outros tipos de reação à perspectiva de catástrofe climática projetada pela ampla maioria da comunidade científica atual pode ser largamente iluminada pela comparação entre essa situação presente com a do negacionismo (ou revisionismo) em relação ao Holocausto perpetrado pela Alemanha nazista no século passado, e com o negacionismo que se encontra majoritariamente presente nas atitudes que hoje assumimos, em graus e formas variados, quanto às práticas de criação, confinamento e extermínio em massa de animais na fazendas-fábricas da agroindústria mundial.
Tal comparação deverá nos permitir também justificar a adequação da aplicação, fora do contexto específico da história dos campos de extermínio da Alemanha nazista, do termo “negacionismo” no caso do aquecimento global antropogênico (ao invés do termo “ceticismo”, usado por muitos negacionistas do clima); e do termo “Holocausto”, senão em ambos os casos, certamente no do tratamento dos animais na agroindústria, em experimentos científicos e outros, além, é claro, da extinção em massa das espécies que os humanos estamos causando – apesar da (ou justamente em virtude da) grande sensibilidade que ambos os termos despertam por diversos motivos.
Prof. Edgar de Brito Lyra Netto
O lugar da interrogação filosófica na era técnica
A pesquisa se organiza em torno do lugar do pensamento filosófico num mundo progressivamente mais técnico, palco de transformações cada vez mais substanciais e velozes, possivelmente irreversíveis e imprevisíveis em seus desdobramentos. Ocupa-se, mais pontualmente, do possível desenvolvimento de interfaces entre a Filosofia e a sociedade contemporânea, visando à irrigação desta última com a necessária interrogação sobre o sentido do seu atual desenvolvimento. Lida, em suma, com injunções éticas, políticas e pedagógicas, tendo como referências Martin Heidegger e Hannah Arendt (discussão sobre a atual hegemonia tecnológica), e a Retórica de Aristóteles (revisão das possibilidades e formas de compartilhamento do pensar filosófico).
Ciência, natureza, informações e saberes (concluído)
Coordenação: Maria José Carneiro (CPDA/UFRRj) e Rejan Bruni (PUC-Rio/JBRJ)
Colaborador: Edgar Lyra (PUC-Rio)
http://r1.ufrrj.br/cpda/cinais/equipe.html
O recurso crescente a argumentos científicos e técnicos na consolidação e legitimação de decisões no âmbito da prática política tem colocado um novo desafio à sociedade, que afeta diretamente o campo da produção do conhecimento e o da elaboração de políticas públicas, qual seja, a necessidade de se criar mecanismos que facilitem e agilizem a comunicação entre a produção do conhecimento e os tomadores de decisão na esfera pública. A rapidez com que consensos científicos são refeitos com base em uma produção de conhecimento cada vez mais vasta e complexa acrescenta enormes dificuldades a essa comunicação. Como dar conta da amplitude e diversidade dessa produção, incluindo os saberes da população local e, ao mesmo tempo, como torná-la acessível aos tomadores de decisão sobre leis e medidas que afetam diretamente a sociedade? Como estreitar os mecanismos de comunicação entre uma esfera e outra, de maneira a oferecer um leque, o mais amplo possível, de alternativas sustentadas em conhecimentos consolidados e devidamente demonstrados? Quais são os conhecimentos mobilizados pelos gestores de políticas públicas (ou tomadores de decisão) e quais os caminhos de acesso a tais fontes? Até que ponto a maneira como a validação empírica dos conhecimentos mobilizados na ação (política) é efetivamente explicitada, avaliada e levada em conta pelos formuladores de políticas públicas? Essas são algumas das questões que mobilizam os pesquisadores deste grupo a investigar as relações entre o homem e a natureza, em uma abordagem multidiciplinar.
Implícitos antropológicos do debate ambiental
Este projeto de pesquisa envolve dois movimentos. O primeiro concerne ao cenário contemporâneo no qual se institucionalizou o chamado “debate ambiental”. Esse primeiro movimento pauta-se pela chamada de atenção para a atual inexistência de uma discussão mais substancial sobre o homem, como ente cujas necessidades devem ser prioritária e imperativamente satisfeitas, agora de forma sustentável. O segundo esforço é o de irrigar esse debate, tão organicamente quanto possível, com questões postas a partir da obra de Martin Heidegger. Não se pretende com isso reivindicar para esse filósofo nenhuma verdade definitiva sobre o homem e seus direitos em relação ao cosmos, mas encontrar meios de avançar discussões decerto seminais dentro do atual quadro de urgências e promessas.
Profª Irley Franco
As teses de Aristóteles sobre as poesias épica e trágica na Poética
O objetivo do projeto é o de empreender uma análise da teoria do gênero trágico proposta por Aristóteles na Poética, com o apoio de seus comentadores e intérpretes mais relevantes, e, ao mesmo tempo, cotejar os resultados de tal pesquisa com o exame pormenorizado de textos dos poetas trágicos e épicos da Grécia Antiga. A pesquisa envolve o estudo exaustivo de noções-chave para a compreensão da teoria aristotélica, tais como mythos, catharsis, mimesis, tykhe, praxis, hamartia, etc., e a identificação desses elementos nas obras literárias gregas, recorrendo sempre ao original grego. Édipo-Rei de Sófocles, a tragédia considerada exemplar pelo próprio Aristóteles, e Homero, pai tanto da tragédia quanto da comédia, são tomados nesta pesquisa como marcos referenciais para o estudo de todas as demais obras relacionadas ao tema. O projeto articula uma série de pesquisas desenvolvidas por professores e alunos de pós-graduação; é tema do pós-doc da autora e tem rendido inúmeros cursos e diversas teses e dissertações.
Platão e o platonismo
Um dos principais problemas relativos ao estudo de Platão é saber distinguir sua filosofia das inúmeras interpretações que dela se fizeram no decorrer dos séculos, pois Platão não é apenas a referência histórica ao momento em que tudo começou, mas é o ponto de origem ao qual se reporta ativamente toda filosofia. O objetivo desse projeto é distinguir a “filosofia de Platão” de “platonismo”, isto é, do modo como a História da Filosofia compreendeu e transmitiu ao longo dos séculos a obra “escrita” de Platão, pois platonismo é uma determinada representação da filosofia de Platão que não raro parece contradizer o conteúdo dos próprios diálogos. Como o tema é muito extenso, proponho nessa abordagem inicial tratar de duas características atribuídas à filosofia de Platão que, em minha opinião, serviram para a formação de uma série de mal-entendidos acerca do conteúdo dos diálogos: o doutrinarismo e o dogmatismo. Por doutrinário entenda-se todo pensamento que se sustenta por uma série de preceitos que se afirmam verdadeiros e que, enquanto tal, pretendem constituir um sistema acabado, capaz de fornecer respostas definitivas às questões que se lhe apresentam. Por dogmático, o pensamento que, além de doutrinário, apoia suas doutrinas em certos dogmas, isto é, em certas verdades fundamentais e incontestáveis.
O erro mais vulgar cometido por certas formas de platonismo encontra-se nas interpretações que baseiam suas conclusões sobre a filosofia de Platão somente nos diálogos da fase da maturidade (República, Banquete, Fédon, etc.), reduzindo portanto todo o pensamento do filósofo a um único aspecto de sua obra. Meu objetivo não é tratar desse Platão estereotipado, embora esse estereótipo se tenha tornado historialmente real, na medida em que muito da filosofia posterior se irá desdobrar justamente a partir dele. Meu objetivo é antes tratar de um problema um pouco mais delicado e que diz respeito a uma determinada tradição construída pelos próprios estudiosos de Platão e que consideram a teoria das ideias como sendo a questão central dos diálogos e que portanto supõem que a intenção primordial de Platão seja a de transmitir a seus leitores essa teoria como uma espécie de lição que, uma vez aprendida, os torne capazes de encontrar respostas finais sobre a realidade, o conhecimento, a vida política, moral, etc., e não o que os diálogos em seu conjunto demonstram ser o mais verossímil, a de tentativamente mostrar como se desenvolve uma disposição apurada e inteligente para o exame e o conhecimento de si e do mundo, através do exercício comunitário, ou, se se quiser, dialógico, do pensamento.
Prof. Ludovic Soutif
Pensamento singular, intencionalidade coletiva e significado expressivo (com o apoio do CNPq – bolsa PDS; início em março de 2021)
No presente projeto, dou sequência às atividades de pesquisa que vim desenvolvendo há sete anos sobre pensamento singular e significado expressivo. Pretendo trazer algo novo para os debates em andamento nas subáreas de filosofia da linguagem, filosofia da mente e ontologia social. O primeiro objetivo é desenvolver uma teoria do pensamento singular que cobrisse casos de pensamentos singulares coletivos. O segundo objetivo é investigar a semântica dos pronomes da segunda e terceira pessoa do plural para destacar casos de pensamentos singulares coletivos compostos por pensamentos na segunda pessoa do plural. O terceiro objetivo, com relação ao significado expressivo, é mostrar a necessidade para qualquer teoria do conteúdo expressivo enquanto conteúdo NAI de encarar o que chamo de desafio normativo. O quarto objetivo é investigar as relações complexas entre conteúdo expressivo (pejorativo) e performatividade. Já o quinto objetivo é dar os primeiros passos em direção a uma analise comparativa entre interjeições humanas e vocalizações de primatas não-humanos, tendo em vista semelhanças formais entre elas quando ocorrem em séries.
O significado dos expressivos (com apoio do CNPq- bolsa PQ nível 2 ; encerra-se em fevereiro de 2021)
A palavra expressivos remete a uma diversidade heterogênea de itens lexicais, ferramentas morfológicas e construções sintáticas cuja função é externar as atitudes emotivas do falante diante dos acontecimentos no mundo. Assume-se corriqueiramente que seus membros têm um significado estável de um contexto de proferimento para outro e socialmente bem estabelecido. Uma das perguntas que se colocam a respeito é a da melhor forma de explicar e representar formalmente tal significado. O presente projeto investiga alguns modelos explanatórios proeminentes (o modelo das implicaturas convencionais, o do potencial de alteração contextual, a teoria da pressuposição expressiva, o modelo do viés, o multiproposicionalismo) e esboça uma alternativa pautada em duas ideias: i) a explanação da diferença entre expressivos e descritivos deve se dar em termos de uma diferença de usos em vez de uma diferença de classes (semânticas); ii) contra a tendência (na literatura) a equipará-los, é preciso manter a distinção entre performativo e conteúdo expressivo.
Profª Luisa Severo Buarque de Holanda
O público e o doméstico na polis ateniense: entre comédia e filosofia.
Entre os séculos V e IV a.C. as poleis gregas produziram uma profusão de teorias políticas, discutindo assuntos que iam desde o estabelecimento do melhor regime político até detalhes a respeito da vida cotidiana dos cidadãos, incluindo casamentos, procriação e administração do oikos (lar, casa, espaço privado). Dentro desse panorama, a cidade de Atenas teve uma participação fulcral não apenas por ter se constituído como um polo de produção intelectual em geral, mas também porque sua experiência democrática viu-se abalada pela guerra do Peloponeso e as sucessivas crises que a assolaram a partir de então. Mesclando fenômenos vivenciados com testemunhos a respeito de organizações políticas distintas, e ainda com a imaginação aberta para uma enorme diversidade de modos de vida e organização em sociedade, poetas e filósofos atenienses propuseram e discutiram teorias que, a nossos olhos, soam no mínimo improváveis, como a total abolição do casamento, da parentalidade e da propriedade privada, por exemplo. Em particular, chama atenção o fato de que assuntos que consideramos de ordem privada se misturem com assuntos de ordem pública e coletiva de modo tão aparentemente natural. O objetivo deste projeto é recortar, dentro dessa pletora de textos voltados para os temas aludidos, um fio condutor que vai do comediógrafo Aristófanes até o filósofo Aristóteles, passando por seu mestre Platão. Nota-se nessa tríade a continuidade de uma importante e influente discussão, que começa no hábito cômico de misturar os planos do doméstico e do político em diversas peças, passa pela obra Mulheres na Assembleia de Aristófanes, reconhecidamente aparentada ao Livro V da República de Platão (a ponto de a fortuna crítica se perguntar quem influenciou quem), que por sua vez será fortemente criticado por Aristóteles no segundo livro da sua Política. Complementarmente, temos ainda o texto das Leis, último diálogo de Platão, e ainda outras passagens da Política e das Éticas de Aristóteles que se voltam para os mesmos temas com perspectivas ora similares, ora ligeiramente deslocadas. A bibliografia primária é vasta, mas procurar-se-á detectar, dentro dela, uma linha contínua de debate acerca das mesmas questões, com tomadas de posição divergentes, que aos poucos aprofundam temas tão caros a eles e a nós, tais como o bem comum e o bem individual, a convivência do cidadão com o corpo civil, a dificuldade de delinear os limites que separam o doméstico do político e as possibilidades de conciliação dos interesses frequentemente divergentes que caracterizam esses dois planos distintos, mas complementares e interdependentes..
Teorias da Argumentação em Aristóteles: contextos científicos, dialéticos e retóricos.
Projeto financiado pelo CNPq
Trata-se de um projeto do Grupo de Pesquisa Linguagem e Argumentação na Filosofia de Aristóteles, associado ao Núcleo de Estudos Clássicos da Universidade Federal de São Paulo (USP), com a colaboração de professores de outras instituições. O grupo promove um estudo sistemático das teorias da argumentação de Aristóteles, procurando determinar quais as condições de sucesso de argumentos em diferentes contextos. O trabalho se divide em três segmentos de pesquisa. O primeiro deles, liderado pelo Prof. Breno Zuppolini, tem como objeto os Analíticos de Aristóteles e investiga a concepção aristotélica de dedução silogística e seus usos, por um lado, no contexto do conhecimento dos fatos constitutivos do domínio de uma determinada ciência e, por outro, na sistematização desse corpo de verdades nos termos de suas relações explanatório-causais. O segundo segmento, sob responsabilidade do Prof. Paulo F. T. Ferreira, investiga o quadro de falácias das Refutações Sofísticas como o mapeamento de possíveis violações de condições individualmente necessárias e conjuntamente suficientes de refutação em Aristóteles. Dirigido pelo Prof. Fernando M. Gazoni, o terceiro segmento estuda em que medida a argumentação retórica, tal como abordada na obra Retórica, em razão da necessidade de persuadir uma audiência específica, se distingue dos silogismos demonstrativos e dialéticos. Em razão de sua imbricação mútua, estas três frentes de trabalho serão exploradas em conjunto por todos os participantes. As atividades do grupo incluem, em particular, (i) a realização de seminários periódicos de leitura e intepretação de texto, (ii) encontros para a discussão de versões preliminares de itens da produção acadêmica dos participantes e (iii) organização e realização de eventos científicos, com participação de pesquisadores de instituições brasileiras e estrangeiras.
INTELIGÊNCIAS ANCESTRAIS: Pesquisa sobre matrizes civilizatórias, com meios de educação digital e metodologias inclusivas.
Projeto financiado pela FAPERJ.
O projeto “INTELIGÊNCIAS ANCESTRAIS: Pesquisa sobre matrizes civilizatórias, com meios de educação digital e metodologias inclusivas” explora, de modo filosófico e artístico, valores civilizacionais básicos das matrizes de sabedoria ancestral grega e yorubá, seus conteúdos ético, social, político e cultural; assim como as formas do ensino de tais valores por linguagens inclusivas e meios digitais de alcance remoto. A equipe vem desenvolvendo estas atividades com publicações na área, em coleções avalizadas por conselhos editoriais de relevo internacional, em periódicos nacionais e internacionais em eventos acadêmicos e artísticos. Visa, com a infraestrutura proposta, ampliar o alcance por vias de difusão remota de tais conteúdos, acessíveis de modo gratuito, para atingir um público excluído por razões socioeconômicas e por razões que dizem respeito a preconceitos quanto às formas de expressão do que é considerado alta cultura, mormente na universidade.
Prof. Luiz Camillo Osorio
Juízo, crítica e curadoria: deslocamentos da arte na era dos museus (em andamento; apoiado pelo CNPQ – Bolsa PQ)
A cada dia surge um museu novo no planeta. As feiras de arte e bienais multiplicam-se por toda parte. Em um mundo assolado por uma crise financeira global, a arte se mostra um ativo com taxas de retorno exorbitantes. Será que a arte resiste a esta captura sistemática, mantendo alguma potência estética e insubmissão política? Será que ela ainda é capaz de produzir “ideias estéticas”? Será que ela resiste minimamente aos parâmetros absolutos do mercado? Ainda faz sentido discutirmos ou defendermos alguma autonomia para a arte e a experiência estética? O que pode a arte? As relações entre estética e política acompanharam a história da arte moderna, seja pelas dificuldades relacionadas ao ajuizamento das obras, seja pela recusa recorrente, por parte da arte, às formas de visibilidade e sociabilidade vigentes. Nosso objetivo será de analisar as condições do ajuizamento, da crítica e seus desdobramentos curatoriais em uma época na qual a arte está inserida irreversivelmente nos museus – mesmo quando atuam fora de seus muros – e estes parecem a serviço da lógica espetacular, do consumo desenfreado e da indústria cultural e do turismo. Como resistir a esta captura e dar à arte alguma liberdade experimental? Como articular arte com uma educação estética e política no interior dos museus?
Os espaços da crítica e os horizontes da política na arte moderna e contemporânea (concluído em 2016)
Pretende-se com esta pesquisa investigar o modo pelo qual uma sistemática desorientação em relação ao que pode ser denominado de ‘obra de arte’ levou, ao longo do século XX, a uma redefinição do papel da crítica e a uma aparente suspensão do ajuizamento. O ponto que me interessa discutir – em oposição a tal suspensão – é a articulação entre este não saber a priori o que seja arte e a necessidade de julgar; o fato de tudo poder ser arte não devendo implicar que qualquer coisa se torne arte. O que produz esta diferença é a capacidade de discernimento do juízo, que se realiza sempre dentro de territórios de sentido específicos. Uma primeira etapa desta pesquisa resultou na publicação do livro Razões da Crítica (Rio de Janeiro: Zahar, 2005). Agora quero ampliar a discussão das noções de juízo e crítica – em Kant, Schiller, Walter Benjamin, Hannah Arendt, Jacques Rancière e Thierry De Duve –, tendo como desdobramento a tentativa de repensar as relações entre arte e política na cena contemporânea. Artigos a partir deste tema serão escritos, assim como, eventualmente, a publicação de um livro reunindo todo o material produzido.
Profª Maura Iglésias
Methexis e mimesis em Platão (apoiado pelo CNPq)
A relação entre sensível e inteligível é descrita por Platão ora como uma “participação” do sensível no inteligível, ora como sendo o sensível uma “imagem” do inteligível. Esses dois modelos de relação entre sensível e inteligível são em geral vistos como equivalentes, em grande parte pelo testemunho de Aristóteles, que afirma em Met. A6 que Platão teria usado (aparentemente para falar da relação entre idéias e coisas sensíveis) o termo methexis para aquilo que os pitagóricos chamavam mimesis, ao falarem da relação entre números e coisas. Entretanto, as diferenças entre as noções de participação e de imagem não passaram despercebidas por comentadores modernos, que talvez tenham exagerado essas diferenças, tirando conclusões que não foram aceitas, total ou parcialmente, por muitos dos mais importantes comentadores. A pesquisa aqui proposta é a de investigar, a partir da análise dos mais importantes textos platônicos onde aparece o tema da relação entre sensível e inteligível, as conotações de ambos os modelos usados por Platão para falar dessa relação. A investigação certamente exigirá uma leitura cuidadosa de vários dos diálogos mais importantes, pertencentes a todas as consideradas “fases” do pensamento platônico. Paralelamente, uma vez esclarecidas as conotações da noção de mimesis, que lhe dão um papel relevante na ontologia platônica, espera-se chegar a resultados interessantes a respeito da relação de Platão com as artes (belas artes). O resultado esperado é uma série de artigos, que serão apresentados em eventos e, em princípio, publicados); também, em vista da extensão do tema, que literalmente atravessa toda a obra platônica, provavelmente teremos material para um livro sobre o assunto.
Platão e as matemáticas (apoiado pelo CNPq, no âmbito do edital CNPq 32/2004)
É conhecida a influência das matemáticas no pensamento de Platão, tanto no que se refere à constituição de seu método investigativo, quanto à aplicação de conhecimentos e procedimentos matemáticos para a elaboração de suas grandes teses. Todas elas, aliás, provavelmente consideradas por ele mesmo como hipóteses, à maneira dos matemáticos. O projeto é o de articular vários trabalhos que já estão sendo desenvolvidos por professores e estudantes de pós-graduação do Núcleo de Estudos de Filosofia Antiga da PUC-Rio, que, embora distintos entre eles, têm como eixo o estudo sobre os conhecimentos matemáticos na época de Platão, a utilização que ele fez desses conhecimentos, a extensão dos conhecimentos matemáticos do próprio Platão, e, talvez, contribuições que ele próprio e outros pesquisadores da Academia seus contemporâneos tenham feito para o avanço dos conhecimentos então considerados matemáticos, que incluíam música e astronomia. Os projetos individuais abordam vários aspectos dessas questões, que dizem respeito não só à obra escrita de Platão, mas também à sua chamada doutrina oral. Assim, além da análise dos textos platônicos pertinentes, e de seus comentadores mais relevantes, o projeto contempla análise (e crítica) dos textos aristotélicos relevantes para a reconstituição da doutrina oral de Platão bem como análise dos textos de matemáticos antigos (não necessariamente contemporâneos de Platão), juntamente com seus estudiosos e comentadores. Os resultados das pesquisas serão apresentados em seminários ao longo do ano, de que participarão todos os membros da equipe, além de convidados. Além disso, como parte deste projeto, programamos convidar, para nosso Fórum de Filosofia Antiga, atividade permanente do nosso Núcleo de Estudos, estudiosos das matemáticas antigas e de suas relações com a filosofia, para apresentação de resultados de suas pesquisas. Esperamos ter material interessante para a publicação de um volume sobre o assunto, reunindo trabalhos da nossa equipe e dos pesquisadores convidados.
Prof. Oswaldo Chateaubriand Filho
Temas em filosofia da lógica, filosofia da linguagem e filosofia da matemática (apoiado pelo CNPq)
Meu projeto de pesquisa para este e os próximos anos deriva das pesquisas apresentadas em meus livros Logical Forms. Part I: Truth and Description(2001) e Logical Forms. Part II: Logic, Language, and Knowledge (2005). Vários temas tratados nestes livros merecem um desenvolvimento maior, e alguns deles me ocuparam nos últimos anos e estão me ocupando presentemente.
1. Teoria das descrições. No capitulo 3 de Logical Forms, apresentei uma nova teoria de descrições definidas que combina idéias de Frege e de Russell. Nos artigos “Descriptions: Frege and Russell combined” (2002) e “Deconstructing “On Denoting”” (2005), elaborei alguns aspectos da teoria. Também em algumas conferências, especialmente na conferência “A Theory of Descriptions”, apresentada no Logic Colloquium na Universidade da Califórnia em Berkeley em 2006, comecei a elaborar uma extensão da teoria para descrições plurais, que é um problema bastante complicado que pretendo desenvolver em mais detalhe.
2. Sentido, referência e conotação. Nos capítulos 11 e 13 de Logical Forms, apresento uma teoria dos sentidos inspirada em Frege, que combino com idéias de Kripke sobre referência e com idéias descriptivistas de Russell e outros sobre conotação. Tenho elaborado estas idéias em varias conferências nos últimos anos e também no artigo “The truth of thoughts: variations on Fregean themes” (2007, no prelo). Uma continuação deste artigo intitulada “Sense, reference, and connotation”, está planejada para ser publicada em Manuscrito ainda este ano.
3. Predicação, verdade, falsidade e negação. Nos capítulos 1, 6 e 12 deLogical Forms, apresento uma teoria da verdade como denotação de estados de coisas e uma teoria da predicação segundo a qual toda sentença tem estrutura predicativa. Isto permite uma caracterização da falsidade de uma sentença como verdade da negação predicativa desta sentença. Estas idéias também têm sido elaboradas um pouco mais no artigo “The truth of thoughts: variations on Fregean themes” e formam parte do projeto sobre falsidade e negação do PROCAD entre a PUC-Rio, a UFSM e a UFC.
4. Discussão do segundo volume de Logical Forms. Em 2004 foi publicado um número especial de Manuscrito (volume 27 -1) com 11 artigos críticos sobre o primeiro volume de Logical Forms e minhas respostas detalhadas. Está em preparação um outro número especial de Manuscrito (a ser publicado em início de 2008) sobre o segundo volume de Logical Forms, com aproximadamente 20 artigos críticos e minhas respostas. Isto certamente me levará a repensar e elaborar muitas questões tratadas em meu livro.
5. Filosofia da matemática. Sempre foi minha intenção elaborar minhas idéias sobre filosofia da matemática. Questões importantes de filosofia da matemática são tratadas em vários capítulos de Logical Forms, especialmente os capítulos 9, 10, 19, 20, 21 e 25, e também no artigo “Platonism in mathematics” (2005). Pretendo desenvolver estas idéias em mais detalhe em um volume complementar aos volumes de Logical Forms, no qual já estou trabalhando.
Prof. Pedro Duarte de Andrade
O ensaio como forma na filosofia contemporânea
Mais conhecido como comentário cultural, o gênero do ensaio tornou-se essencial para a produção filosófica nos séculos XX e XXI, além de ter sido explicitamente analisado enquanto tal por autores como Georg Lukács, Walter Benjamin, Theodor Adorno e Michel Foucault. O estilo do ensaio, pessoal e atento à sua própria linguagem, traria um pensamento experimental, sem sistematização exaustiva do saber; atento às singularidades, por oposição à universalização lógica; com interpretações sem originalidade absoluta, mas apenas relativa; e uma preferência pela análise de obras de arte como instâncias críticas da sociedade. O objetivo deste projeto é triplo: analisar o estilo do ensaio enquanto prosa filosófica; mapear suas principais expressões contemporâneas; e investigar o contexto histórico que o tornou central para a filosofia atual.
Filosofia, literatura e arte
O objetivo deste projeto é analisar a importância da arte, em especial da literatura, para a filosofia, e descrever como se dá esse encontro produtivo entre elas a partir de casos singulares de filósofos que pensaram artistas e de artistas que instigaram filósofos. Se a filosofia já atacou a literatura, como Platão com Homero, e a interpretou, como Hegel com Sófocles, por sua vez a literatura já deu o que pensar à filosofia, como Hölderlin com Heidegger. Sobretudo desde o Romantismo, a literatura tornou-se mais que ilustração para teorias de filósofos. Walter Benjamin, Theodor Adorno, Gilles Deleuze, Michel Foucault e outros pensaram junto à literatura, com ela, através dela. O contato entre filosofia e arte foi decisivo para o pensamento contemporâneo e crítico, que destaca o caráter filosófico da literatura e o caráter literário da filosofia.
Filosofia antropofágica
Tomada em geral como explicação da cultura brasileira, a idéia da antropofagia, formulada por Oswald de Andrade nos anos 1920, pode ser entendida como uma filosofia, isto é, como modo de pensar firmado em uma ontologia e do qual derivam uma epistemologia, uma estética, uma ética e uma filosofia da história. O objetivo deste projeto é explicitar tal filosofia antropofágica, que defende a transformação do mesmo pelo outro, e não a transformação do outro no mesmo. Isso será feito pela análise da doutrina modernista brasileira e da obra de Oswald de Andrade, incluindo os seus textos filosóficos; das fontes aí implicadas, como Montaigne, Marx e Freud; da sua origem na prática indígena de canibalismo; e de seus desdobramentos no pensamento em canção de Caetano Veloso e no pensamento em arte de Hélio Oiticica.
Prof. Renato Matoso Brandão
Unidade e multiplicidade na ontologia dos últimos diálogos de Platão: uma nova interpretação para “um oceano de argumentos.”
A pesquisa tem como objetivo oferecer uma interpretação original para a ontologia defendida nos últimos diálogos de Platão, sobretudo pelos personagens eleatas Parmênides (apresentado no diálogo homônimo) e seu companheiro identificado apenas como o Estrangeiro (apresentado nos diálogos Sofista e Político). De acordo com a hipótese que guiará essa pesquisa, o diálogo Parmênides marca o abandono de uma ontologia fundada na separação radical e na unidade absoluta das Formas. Tal abandono estaria dramaticamente representado pela crítica à Teoria das Ideias realizada nesse diálogo e pelo progressivo desaparecimento de Sócrates como o personagem pincipal de veiculação das teorias metafísicas platônicas.
Para que tal interpretação possa ser estabelecida, pretendo, em um primeiro momento, realizar uma análise minuciosa das deduções contidas na segunda parte do diálogo Parmênides. Tal análise fornecerá o material conceitual necessário para a demonstração de que esse conjunto de argumentos dedutivos está em relação de continuidade com as críticas à Teoria das Ideias que encontramos na primeira parte do diálogo, devendo ser compreendidos como o aperfeiçoamento e aprofundamento dessas críticas. Meu objetivo é demonstrar como todos os paradoxos presentes no diálogo Parmênides são desdobramentos de um único problema ligado à Teoria das Ideias defendida pelo personagem Sócrates nos diálogos platônicos, a saber: a atribuição de separação e unidade absoluta às Formas.
Em um segundo momento da pesquisa, irei analisar como o personagem Estrangeiro apresenta, nos diálogos Sofista e Político,uma ontologia imune às criticas do diálogo Parmênides e apta a lidar com complexos problemas e paradoxos de natureza mereológica. Pretendo demonstrar que, longe de representar o abandono dos preceitos fundamentais do platonismo, como defendem alguns comentadores, a ontologia do Estrageiro deve ser entendida como uma revisão e aperfeiçoamento da Teoria das Ideias defendida por Sócrates em diálogos como Fédon, República e Banquete.
O pensamento e a obra dos platonistas-médios
No vasto campo de pesquisa da História da Filosofia Antiga, um dos grupos de pensadores que receberam menor atenção por parte de tradutores, comentadores e intérpretes modernos é certamente aquele constituído pelos representantes do médio-platonismo. Compreendidos entre os séculos I A.C. e II D.C., os platonistas-médios constituem o grupo de filósofos afiliados ao platonismo localizados historicamente entre o fim da chamada “nova academia”, quando Antíoco rejeita os ensinamentos de inspiração cética de Philo de Larissa, e o florescimento do neo-platonismo, com Plotino, Porfírio e Próclo. A principal razão para a negligência com que os filósofos deste período foram tratados está representada na própria denominação de “platonistas-médios” que a crítica moderna os dedicou. Obscurecidos, por um lado, pela atenção dedicada aos grandes nomes do ceticismo acadêmico e, por outro lado, pela longa tradição de estudo da obra de Plotino e outros neo-platônicos, os chamados “platonistas-médios” passaram a ser vistos como um, muitas vezes inconveniente, meio de caminho entre essas duas correntes filosóficas. Como resultado, o estudante de filosofia, na maioria das vezes, desconhece completamente a existência de figuras como Antíoco, Plutarco e Albino ou passa muito apressadamente por estes pensadores enquanto percorre os caminhos que levam de Platão a Plotino.
O projeto de pesquisa “O Pensamento e a Obra dos Platonistas-Médios” pretende suprir uma rica demanda de investigação, ensino e publicação associada aos diversos aspectos da filosofia médio-platônica. O aumento do interesse acadêmico sobre esse período da História da Filosofia constata-se facilmente a partir do crescente número de publicações especializadas. Além disso, o fato de estarmos tratando de um campo de estudo ainda pouco explorado faz com que temas e debates originais surjam em grande quantidade. Com o intuito de lidar com tamanha diversidade de tópicos e tarefas, a linha de pesquisa divide-sem em três frentes de trabalho: tradução, interpretação e divulgação/ensino.
Prof. Rodrigo Nunes Guimarães
Imanência e ontologias pós-críticas
Em que pese boa parte da filosofia do século XX ter se autocompreendido em termos de uma superação definitiva da metafísica, questões e debates especulativos voltaram à pauta filosófica com força na última década. Não se trata, contudo, de um mero retorno a um dogmatismo pré-kantiano, mas de uma possibilidade interna ao espaço definido pela filosofia crítica, que se desenvolve na busca de uma redefinição do sentido e papel da filosofia não apenas em sua relação prática com o mundo, mas também em suas interfaces com diferentes áreas (biologia, física, matemática, ciência cognitiva). Para entender de que maneira diferentes projetos contemporâneos podem ser descritos como ontologias pós-críticas – especulativas e criticas ao mesmo tempo –, proponho o conceito de imanência como chave de leitura dos problemas que, iniciando na modernidade (com Spinoza, Kant, Hegel, Marx) vem desaguar na filosofia contemporânea.
Política em rede e a questão da organização
Há pelo menos uma década, estruturas reticulares ad hoc são identificadas como a forma característica de organização dos novos movimentos sociais, e elas são apresentadas como resolvendo problemas (como a burocratização, hierarquização e falta de transparência) de formas anteriormente existentes, como partidos e sindicatos. Ao mesmo tempo críticos da organização em rede a vêem como carecendo de capacidade de decisão e ação conjunta e tendendo à impermanência. No mais das vezes, a discussão gira em torno de estéreis tomada de partido entre “velho” e “novo”. Amparando-se tanto em debates clássicos sobre a questão da organização (em particular, mas não exclusivamente, na tradição marxista) quanto em aportes da filosofia contemporânea (pós-estruturalismo, pós-operaismo, pensamento sistêmico) e da ciência (teoria das redes), bem como de relatos e análises de fenômenos recentes como a Primavera Árabe e o movimento Occupy, busca, num primeiro momento, descrever de maneira rigorosa as formas emergentes de organização que caracterizam os movimentos sociais e políticos contemporâneos. Disto resulta tanto uma compreensão mais balanceada de suas vantagens e limites, como redefinições de conceitos como vanguarda, liderança, espontaneísmo e representação, propondo um vocabulário comum para além da oposição entre “velhas” e “novas” formas. Mais que uma tarefa meramente descritiva, contudo, a pesquisa se baseia na aposta de que é possível, a partir daí, promover uma reflexão consciente e um aprofundamento destas formas emergentes de organização, ressituando questões como subjetividade política, iniciativa e estratégia num novo terreno.
Política e poética no cinema brasileiro dos anos 60 e 70
O período que se estende dos anos 50 à metade dos 70 foi provavelmente o mais fértil da história cultural brasileira; e um dos problemas centrais para a série de propostas artísticas singulares surgidas no período (concretismo, neoconcretismo, Teatro do Oprimido, tropicalismo, cinema novo) é a questão do papel social e político da arte e do artista – ou, dito de forma mais geral, da cultura e do produtor de cultura. Este projeto se propõe a analisar o cinema brasileiro dos anos 60 e 70, perguntando como estes debates (e suas condições políticas e culturais mais amplas) se inscrevem nele. O interesse em fazer isto, contudo, não é meramente historiográfico: resgatar as diferentes propostas artístico-culturais do período, e elucidá-las a partir dos problemas a que buscavam dar resposta, tem como objetivo final relançar as mesmas perguntas de então no presente: quais são as continuidades e descontinuidades entre os problemas de então e os de hoje? O que permanece de atual nas soluções criadas naquele período, e o que precisa ser pensado? Trata-se, em última análise, de projetar uma época de intensa pesquisa e discussão sobre a dimensão social e político da cultura e dos produtores culturais sobre a época atual, de forma a indagar como as ideias de quase 50 anos atrás podem nos ajudar a pensar as mesmas questões dentro das atuais condições sociais e tecnológicas.